Wednesday, March 26, 2008

Procurando construir uma comunidade de vida através da educação humanista

SEIN Newsletter
Volume VI, Edição 1

Soluções da Educação Sustentável
por Jill Rees, United Kingdom

Em 2003, eu estava trabalhando como Chefe do Departamento de escola, numa pequena cidade um tanto depressiva e deteriorada no Reino Unido, que não tinha sido aprovada nas inspeções realizadas e encontrava-se então funcionando sob medidas especiais. Isso foi ótimo para mim, uma vez que significava que eu poderia montar o departamento como eu achasse adequado. Os professores eram todos novos, e era minha responsabilidade treiná-los. O governo também tinha trazido para a escola dois programas que eram fantásticos: o National Framework (Parâmetros Nacionais) e o Key Stage 3 Strategy (Estratégia-Chave em Nível 3). Eu tinha estado em sala de aula por 3 anos e estava começando a sentir que eu sabia o que estava fazendo. Por seis meses, eu tinha participado de sessões mensais na Divisão Educacional Soka do Reino Unido na nossa sede nacional em Taplow Court e tinha lido o Soka Education Newsletter (Boletim da Educação Soka) na internet.

Tal como eu tinha entendido, a educação Soka significava respeitar cada indivíduo e adotar como objetivo principal da educação a felicidade de cada criança. Obviamente, felicidade é algo difícil de definir e é diferente para cada pessoa, mas ela certamente envolve seguir as orientações do Sensei sobre como fazer o melhor e determinar atingir a vitória em tudo aquilo que nos pusemos a fazer. Transmitir essa atitude para as crianças naquela escola com desempenho ruim, muitas das quais não tinham ambição e freqüentemente com muito pouca auto-estima, parecia difícil. Algumas das crianças vinham de lares muito pobres e algumas vezes violentos e abusivos. Suas ambições acadêmicas eram mínimas e suas crenças em que podiam construir uma vida feliz e bem sucedida eram inexistentes. O desemprego na região significava que as oportunidades para elas eram muito poucas.

Meu departamento se tornou essencial para toda a escola. Eu encorajei meus professores explicando o princípio do itai-doshin e fazendo duas horas de Daimoku cada manhã antes do trabalho. Dentre outras atividades voltadas para a comunidade, estabeleci uma viagem anual para a França, para a qual 80% dos profissionais em regime anual se inscreveram, e um programa de intercâmbio com a escola parceira na França. Meu departamento ficou em primeiro lugar na Inspeção Governamental seguinte, na qual os professores receberam a classificação “excelente”, o que é raro. Os alunos mostraram grande entusiasmo em aprender línguas, fato que quase não se ouve falar nas escolas britânicas.

No fim de 2003, me foi oferecida a oportunidade de fazer um Mestrado como parte de meu desenvolvimento profissional, o que queria dizer que eu não teria que pagar nada! Na segunda parte do meu mestrado, estudei a teoria sistêmica da educação, a qual me pareceu essencialmente budista. O princípio da teoria sistêmica afirma que tudo está interligado, assim, se você muda uma parte, o todo se modifica, tal como uma rede de pescador. Senti que poderia implementar a Educação Soka no meu departamento se usasse algumas das idéias sistêmicas. Comecei a usar o método sistêmico com minhas classes, com bons resultados.

Quando você ensina sistemicamente, suas ações como professor são baseadas na idéia de que a classe é um sistema, e que outras áreas freqüentemente desconhecidas das vidas dos alunos também afetam suas ações. Por exemplo, a vida familiar, as outras lições que eles têm para fazer, o ethos da escola e as experiências sociais deles. Se uma criança tem um desempenho baixo, está desmotivada, apresenta comportamento inadequado ou está infeliz nas aulas, isso não é visto como um problema da criança. Em vez disso, uma mudança dentro do sistema holístico é exigida. A criança continua a ser completamente respeitada e a causa dos problemas vistos como sendo sistêmicos e não como um problema do aluno.

O professor sempre é capaz de mudar seu comportamento e isso afetará a classe como um todo e cada uma das crianças individualmente. O professor necessita trabalhar as causas do problema e encontrar uma solução adequada. Isso nem sempre é possível, uma vez que o professor pode não ter informação ou não foi capaz de perceber a verdadeira natureza do problema. Contudo, qualquer mudança no comportamento do professor, provocará mudança no comportamento dos alunos. Ou o problema será resolvido ou ele mudará de modo que o professor possa ter uma idéia melhor do que está acontecendo. O professor assume total responsabilidade pelo problema e age mudando a situação usando os princípios da prática budista. Ao incrementar seu estado de vida, ao compreender e se dispor a lidar com as dificuldades que enfrentamos no processo de ensinar, o professor pode afetar soluções humanistas. Percebi que essas são idéias budistas de causa e efeito e da interconectividade de todos os fenômenos.

Assim, ao criar mudanças sistêmica em sala de aula, fui capaz de envolver todos e senti que cada aluno estava agindo como queriam e assumindo controle do seu próprio jeito de aprender. No início, contudo, não compreendi como isso realmente funcionava. O que estava acontecendo que possibilitava que crianças com problemas muito sérios se tornassem felizes e encontrassem confiança em suas habilidades de tal forma que os resultados de suas avaliações melhoravam tanto? Senti que isso estava além do escopo do método sistêmico que eu estava usando, que eles haviam perdido algo.

O forum da Soka Educators International Network – SEIN - (Rede Internacional de Educadores Soka) é sobre o cuidado e a educação humanista. Como eu participava dessas discussões com educadores de todo o mundo e fazia Daimoku para encontrar as causas mais profundas no que eu estava fazendo, comecei a perceber que algo mais estava acontecendo. Ao aceitar cada criança com uma parte essencial do sistema – a classe, como elas são, e ao mudar a mim mesmo ou as circunstâncias em que elas estavam inseridas e na tentativa de mudar as crianças, eu estava, na verdade, respeitando profundamente e me importando com a vida de cada uma delas. Assumi total responsabilidade pela felicidade delas e estava desejoso para fazer o que pudesse para que elas fossem mais elas mesmas. Eu tinha sido capaz de descobrir em mim mesmo meu respeito fundamental por meus alunos.

Em algumas tentativas em outras escolas, que eu estava estudando para o meu mestrado, professores e gestores escolares tinham começado a empregar a teoria de sistemas, mas de uma maneira geral tinham desistido em algum ponto. A visão dos acadêmicos era que eles (professores e gestores) não tinham sido capazes de trazer para o contexto da escola a filosofia que há por trás da teoria de sistemas, a qual é muito profunda e abrangente. Contudo, eu sentia que ela ia além. O princípio subjacente da teoria dos sistemas é o Budismo. As pessoas que desenvolveram a teoria dos sistemas tinham encontrado verdades que eram incapazes de acessar mais profundamente porque os princípios budistas que falavam da importância de se permitir que cada indivíduo viva uma vida maravilhosa e desenvolva seu pleno potencial não foram compreendidos. Antes de ir para o trabalho, eu fazia Daimoku para possibilitar que cada criança fosse feliz como se fossem membros do meu distrito.

Os alunos foram estimulados a pensar em si mesmos como sendo o alicerce da sociedade do futuro. Eu explicava que eles seriam as pessoas que iriam decidir como o mundo vai ser. Eles chegaram a pensar em si mesmos como sendo mais conectados com a vida fora da escola, e a pensar mais positivamente sobre o que eles farão no futuro. Se eles tinham circunstâncias difíceis em casa, eu ou encorajava a perceber que um dia eles poderão construir um lar próprio, o qual poderia ser um lar bom e cheio de amor. Comecei a apresentar algumas orientações do Sensei para jovens em minhas assembléias e foi surpreendente em ver como os garotos mais desordeiros ouviam cuidadosamente a orientação para dar duro no trabalho, para fazer as lições de casa e mudar a sociedade para melhor. (Eles na verdade não fazia suas lições de casa, graças a Deus[1], ou eu teria morrido de choque!)

Muito dos alunos mudaram suas atitudes em outras aulas também, e os professores relataram-me que tal ou tal criança tinha parado de fazer bagunça e começado a trabalhar. Os resultados foram realmente milagrosos[2]. Contudo, houve outras conseqüências. As crianças acostumaram a se expressar, a serem ouvidas, a terem suas perguntas respondidas. Alguns professores acharam isso muito desafiador.

Neste ponto, o professor Soka pode encontrar obstáculos. Esses obstáculos são a prova de que estamos humanizando nossa parte da educação. Elas são as “perseguições do devoto” que tentam impedir que o humanismo e a iluminação se espalhem e que, portanto, impendem o Kossen Rufu.

Como Nichiren escreveu na Abertura dos Olhos:
"No entanto, se eu pronunciar uma palavra sequer sobre isso, pais, irmãos e mestres irão censurar-me e o governante da nação tentará algo contra minha pessoa. Porém, tenho a plena consciência de que se eu não proclamar essa razão, não estarei agindo com benevolência. Tenho ponderado sobre qual caminho tomar à luz dos ensinos dos sutras de Lótus e do Nirvana. Se eu permanecer em silêncio, talvez escape das perseguições nesta existência, mas, na próxima, tenho certeza de que cairei no inferno de incessantes sofrimentos. Se eu me pronunciar, tenho certeza de que terei de enfrentar os três obstáculos e as quatro maldades. Entretanto, entre esses dois caminhos, o último é certamente o que devo escolher. " Página 64 Os Escritos de Nitiren Daishonin.

A dura escolha que os educadores Soka enfrentam hoje é se devem continuar resolutos na fé, até que a vitória das escolas humanistas seja atingida, ou se desistem da visão do Sensei sobre o aspecto educacional do Kossen Rufu. Repetidas vezes tenho ouvido educadores Soka contarem-me como eles encontraram obstáculos em suas tentativas de introduzir o humanismo em suas escolas e como eles lutaram para vencer. A vitória é a nossa luta continua – a realização do Kossen Rufu na educação pode residir nas ações eventuais de nossos alunos no futuro, mas por eles, devemos levar adiante. Toda vez que lidamos de uma maneira humanista com uma criança, é uma vitória para o Kossen Rufu e uma causa para uma educação mais humanista no futuro.

Antes de deixar minha última escola, as crianças da minha sala decidiram que quando elas forem adultos, trabalharão nas escolas de seus filhos para recriar o que elas tinham experienciado comigo. Algumas delas serão líderes da educação, e é certo que as escolas mudarão quando nossos alunos, por sua vez, fazem esse tipo de decisão. Na teoria sistêmica, é aconselhado que toda a escola adote o método. A autoridade sobre uma classe é baseada no soft power e pode ser tomada equivocadamente como sendo falta de controle por professores tradicionais. A criança também pode demorar certo tempo para mudar. Às vezes, as crianças perderam a confiança no desejo do professor de genuinamente ter seus interesses no coração. Pode ser que uma criança não mude do jeito que esperamos, mas você tem que aceitar a decisão da criança na medida em que ele ou ela se tornam mais auto-conscientes. As crianças estão começando a criar valores, e onde o valor não é um objetivo da escola, o valor criado pode mudar certos aspectos da escola. Se a escola toda fosse sistêmica, essas idéias seriam ouvidas e um ambiente cooperativo seria estabelecido.

Porque a sala de aula e a escola são parte de uma comunidade mais ampla, comecei a compreender que uma educação verdadeiramente sistêmica envolveria mais do que apenas a escola em si. A educação sistêmica é freqüentemente chamada educação sustentável e pode ser parte essencial de nossa tentativa de tornar a vida na terra mais sustentável. Quando eu estava começando a ter esses pensamentos, o fórum da SEIN voltou, desta vez discutindo a Carta da Terra. Ao mesmo tempo, minha sede montou a Exposição Carta da Terra e eu participei ativamente dela. Essa ampliação na minha compreensão do papel que eu poderia ter no mundo levou-me a sentir que eu tinha uma missão global, tal como o Sensei afirma! Estou num processo de criar um programa para treinamento de professores que espero seja usado tanto no mundo em desenvolvimento, onde o método pode ajudar a montar novas escolas, como no primeiro mundo onde as mudanças também são necessárias para o novo mundo do futuro.

A educação sistêmica ou sustentável é um modo de implementar os princípios e métodos da educação Soka dentro das instituições educacionais atuais. Ela pode ser uma manual de instrução sobre como realizar a felicidade de cada criança.
O Budismo na sociedade por meio da educação, que é uma das referências chave da SGI. A educação sustentável será usada com um método humanístico de educação que cria aprendizagem colaborativa para o mundo moderno, e tal como o soft power tomou o lugar das práticas do hard power, a teoria dos sistemas se tornará cada vez mais aceita no seio da sociedade. Esse tipo de método também pode servir em lugares onde as escolas Soka ainda não são uma opção e pode ser introduzido imediatamente por educadores budistas onde quer que eles trabalhem. Ele tem credibilidade acadêmica e é secular, embora baseado em princípios budistas. Para o professor, usar o método sistêmico na sala de aula transforma a atitude dos alunos e torna o ensino uma alegria uma vez mais.

A SOKA EDUCATORS INTERNATIONAL NETWORK (Rede Internacional de Educadores Soka) é um projeto voluntário criado para inspirer educadores que estão implmentando a educação Soka de diferentes maneiras. O novo objetivo do Newsletter (Boletim) é crier uma rede robusta de educadores Soka para apoiar o crescente desenvolvimento da educação humanista.

[1] Nota do tradutor: O autor usa aqui a expressão “thank goodness” cuja tradução mais próximo é “graças à Deus”.
[2] Nota do tradutor: O autor usa aqui a palavra “miraculous”.